Transcrevo boa reportagem de Bernardo Besouchet, do IG. Apenas com a ressalva de que considero a tentativa do Estado em “regular” os contratos televisivos no futebol, extrapolando mais uma vez suas funções de forma desastrosa, o verdadeiro motivo do momentâneo (para mim) retrocesso nas negociações televisivas no país.
“Considerada uma das principais receitas dos clubes de futebol em todo mundo hoje, o valor que as emissoras de televisão pagam aos clubes pelos direitos de transmissão dos campeonatos tem um peso diferente no Brasil e nas principais ligas do planeta. Inglaterra, Alemanha e Itália, que detêm os três principais campeonatos em termos de valores pagos pela televisão, até pouco tempo atrás permitiam que os clubes fizessem individualmente suas negociações com as empresas de televisão, mas a diferença astronômica entre os principais clubes e os de menores expressões fez com que o modelo fosse deixado de lado em prol de uma negociação igualitária e que impactasse em um maior poder de competição entre os clubes.
País que tradicionalmente aplicava a negociação coletiva, o Brasil, em fevereiro de 2011, rompeu com o modelo tido como adequado pelos europeus. Tanto que, em 2007, um relatório de 170 páginas da autoridade antitruste italiana recomendou que a negociação coletiva fosse adotada para garantir uma maior competitividade ao campeonato italiano.
“O Brasil entrou na contramão do mundo. Nós estamos entrando quando todos os países estão deixando esse modelo de lado. É um modelo comprovadamente equivocado. Quem entrou, saiu”, afirma Fernando Ferreira, sócio-diretor da Pluri Consultoria, empresa responsável por emitir balanços financeiros do futebol mundial.
A mudança do cenário brasileiro, liderada por Andrés Sanchez, ex-presidente do Corinthians, contou com apoio dos principais clubes brasileiros. Todos romperam com o Clube dos 13, entidade que controlava toda a negociação coletiva e fazia a partilha desses valores. Sem função, a entidade acabou extinta.
A partir daquele momento, com os clubes brasileiros negociando individualmente seus contratos, o que pôde ser notado foi um significativo aumento nos valores e, consequentemente, um aumento na diferença entre os clubes, fator que causaria disparidade entre os 12 principais clubes brasileiros e, é claro, aos de menores investimento.
E é a posição de Giovanni Luigi, presidente do Internacional, que aponta para a necessidade de mais quesitos para adequar-se o valor pago pela TV. O Internacional, aliás, de acordo com balanço financeiro de 2012, recebeu mais de R$ 89 milhões sendo cerca de R$ 30 milhões apenas em luvas pela renovação do contrato com a TV Globo pelo triênio 2016-2018.
“Entendemos que esta defasagem entre os clubes é ruim para o futebol brasileiro, uma vez que a TV está beneficiando economicamente alguns em detrimento de outros considerando a audiência. A divisão dos recursos pelo critério quase que exclusivo de tamanho de torcida, como está ocorrendo no Brasil, é um equívoco, na medida em que praticamente não premia o desempenho dos clubes nas competições e perpetua a divisão desequilibrada de recursos sempre para os mesmo times”, afirmou o dirigente, em entrevista ao iG , apontando como caminho alternativo o que ocorre em outros países.
“As principais ligas do mundo dividem 50% dos recursos de forma igualitária entre os clubes participantes, 25% pela colocação no campeonato e somente 25% pelo tamanho das suas torcidas. As que não adotam estas proporções fazem algo muito próximo disto” afirmou o presidente do Inter.
Enquanto no Brasil o modelo adotado para pleitear maiores cotas é basicamente o tamanho da torcida, nas principais ligas do mundo o modelo é totalmente diferente e premia não somente o desempenho dos clubes, mas também quem mais tem seus jogos televisionados.
No caso da Inglaterra, por exemplo, cuja liga movimentou mais de £ 968 milhões, a diferença entre o Manchester City, campeão da temporada 2011-2012 e o Wolverhampton Wanderes, que foi rebaixado, foi cerca de £ 21 milhões.
Lá, no caso, a fatia do valor pago pela televisão é dividida da seguinte maneira: 50% é compartilhado igualitariamente entre os 20 clubes que disputam a competição. 25% é baseado na classificação do ano anterior com pequena diferença entre as colocações e os outros 25% variam pelo número de jogos que o time tem exibido pela emissora de televisão. Além disso, 100% do valor vendido para outros países é dividido de maneira igual entre os clubes.
Na contramão do processo de divisão igualitária das cotas de televisão, Jackson Vasconcelos, diretor executivo do Fluminense, acredita que o modelo funciona bem apenas na Europa. “No Brasil, os clubes têm um sistema de gestão corporativa e de relação comercial diferente do que acontece lá”, opina o diretor tricolor.
Mas, logo em seguida, o gestor, que toca os assuntos ligados ao clube enquanto o presidente Peter Siemsen mantém suas atividades profissionais em seu escritório de advocacia, argumenta que mudanças deveriam acontecer no processo de negociação com a televisão.
“O Fluminense defende a discussão de um modelo diferente e que leve em consideração não só o tamanho das torcidas, mas também o nível de exposição da marca dos clubes”, argumenta Jackson Vasconcelos.
Mas Giovanni Luigi, do Internacional, acredita que a divisão igualitária ainda é o melhor caminho para o Brasil. “Uma divisão mais equilibrada destes recursos obrigaria todos os clubes a organizarem a sua gestão administrativa e financeira, pois quem não gerenciasse de forma eficiente seus recursos tenderia a ser menos competitivo. Seria algo importante para acelerar a profissionalização dos clubes de futebol”, diz o dirigente, com quem concorda Paulo Samuel, colaborador da presidência do arquirrival Grêmio.
Com a quebra do grupo Kirch, principal grupo de comunicação alemão no início da década passada, a Bundesliga, liga de futebol alemã, reinventou-se tanto na maneira de criar receitas quanto na relação com o consumidor. As cotas de televisão na Alemanha não são as principais fontes de receita dos clubes como acontece na Itália e no Brasil.
O Bayern de Munique, por exemplo, tem 55% de suas receitas baseadas nos valores arrecadados em dia de jogos na Allianz Arena, seu estádio, em Munique. Além disso, 23% vêm do Departamento Comercial do clube e apenas 22% das receitas do time bávaro são oriundas das cotas de televisão.
Para obter 55% de suas receitas em dias de jogos, os alemães inovaram e trouxeram o torcedor ao estádio. O segredo foi baixar o preço do ingresso e hoje o torcedor consegue pagar 22 euros, em média, para assistir a partida do seu time. Atualmente, a taxa de ocupação dos estádios é de 90%.
Para prover o direito ao torcedor assistir o jogo, os clubes alemães destinarem 40% da capacidade do seu estádio para torcedores que não têm condição de pagar mensalmente um valor ao clube. O Bayern de Munique, por exemplo, cobra € 208, enquanto o Hoffenheim cobra € 120.
Esses torcedores, que pagam valor mensal, têm destinados 50% da capacidade do estádio. Além disso, 10% da capacidade total é destinada ao torcedor visitante.
Assim, desta maneira, o clube consegue arrecadar com os torcedores que vão aos jogos com menor frequência e, consequentemente, gastam com camisas e materiais licenciados pelo clube.
Quanto à partilha da cota de televisão, elas são baseadas no desempenho dos times nos campeonatos nos anos anteriores e o valor final fica bem proporcional entre os clubes. A conta é feita através de um sistema de pontos que os clubes vão obtendo conforme vão se classificando nos campeonatos nos últimos quatro anos.
Desta maneira, na liga 2013-2014, por exemplo, o Bayern de Munique receberá € 25,84 milhões contra € 25,03 do segundo colocado, o Borussia Dortmund. Ou seja, vai-se diminuindo € 760 mil por cada posição. O índice garante ao último colocado 50% do valor arrecadado pelo primeiro, ou seja, 12,92 milhões de euros.