O Fluminense é o campeão mais incontestável, mais irretocável, mais inapelável, mais irresistível de toda a história do esporte bretão em terras brasileiras. Não satisfeito em ser impiedoso nas estatísticas – dono do melhor ataque, melhor defesa, maior artilheiro, melhor goleiro e da campanha mais arrasadora como visitante – o tricolor alcançou a sua glória ainda na 35ª das 38 rodadas do campeonato. A conquista coroou a a campanha de um time valoroso, cujo pôster terá espaço entre os maiores esquadrões dos 110 anos do clube das Laranjeiras.
Como todo grande time deve começar com um grande goleiro, foram as seguras mãos de Diego Cavalieri que abriram as portas para o título. Herdeiro legítimo da camisa outrora vestida por gigantes da estirpe de Marcos Carneiro de Mendonça, Castilho, Félix e Paulo Victor, Cavalieri transmite toda a sua sobriedade à defesa, e a equipe sabe que nele pode confiar: se algo der errado, lá estará ele para garantir o bicho dos companheiros. Sem estardalhaços, e com poucos sorrisos até. Não é à toa que a muralha tricolor não foi vazada em 14 partidas. E simplesmente não falhou em nenhum gol que sofreu em todo o campeonato.
Gum, zagueiro médio tecnicamente, porém enorme em coração, é o símbolo da vontade e da superação que tornou essa a equipe mais dura de ser batida do Brasil. Por sua causa o time ganhou o sobrenome “de Guerreiros”. Quanto maior a dificuldade da batalha, mais ele se agiganta, e mais se torna intransponível para os atacantes adversários, fazendo tremer a todos. Os laterais, Bruno e Carlinhos são duas formiguinhas operárias, vermelhas como o uniforme encarnado usado na partida que selou o título contra o combalido, entristecido e virtualmente rebaixado, porém lutador Palmeiras.
Edinho, o viril, é o rottweiler de guarda à frente da defesa e o fiel escudeiro do técnico tricolor. Sua dupla no meio campo, o polivalente Jean, é o motor do time campeão, um ingrediente do futebol moderno, capaz de marcar e sair com a bola com eficiência e ainda aparecer no ataque como elemento surpresa em arrancadas sensacionais. O carregador de pianos tricolor pode não aparecer tanto para os olhares mais desatentos, mas sua contribuição foi decisiva para o triunfo do time, e merece como poucos um lugar na seleção do campeonato.
Se por um lado Thiago Neves, o camisa 10 das Laranjeiras, não conseguiu ser aquele mesmo Thiago Créuves de outros tempos, por outro, ninguém pode negar que deixou seu sangue em campo pelo coletivo em todos os jogos. Tal qual o filho pródigo, ele voltou à sua própria casa para conquistar tudo aquilo que devia ao seu clube de coração e a si mesmo.
Deco é a cereja do bolo tricolor. Apesar de ter ficado de fora em muitas ocasiões, sua presença não passou despercebida quando esteve em campo com seus dribles e lençóis desconcertantes, passes perfeitos e assistências preciosas. Como todo representante autêntico de uma classe de artistas do futebol que praticamente não existe mais, a cabeça pensante do escrete tricolor está constantemente na mira dos adeptos do antifutebol tão numerosos pelos campos do Brasil. Engana-se, porém, quem pensa que ele se intimida; ele manda um claro recado aos botinudos de plantão de que suas chuteiras têm travas também. Deco é o típico craque com a cara do Fluminense. Wagner, o substituto, teve a humildade de sentar no banco de reservas enquanto sabia que seria titular em qualquer outro time no país, e nas oportunidades de mostrar o seu talento, não se fez de rogado; ele empresta ao Flu sua finesse no toque de bola e ainda incorpora o espírito guerreiro da equipe.
Wellington Nem, o pequeno polegar tricolor, é uma pessoa rara, principalmente no meio do futebol. Ele recusou dinheiro para abandonar o Brasil para realizar o sonho de despontar no clube onde nasceu e se criou. Não dá para ser muito mais tricolor do que isso.
Como não poderia ser diferente, foi Fred, o artilheiro dançarino, o predestinado a marcar o gol para sacramentar o título e lançar seu coração para a torcida enlouquecida. Frio matador, goleador puro-sangue , que faz gol de qualquer jeito – principalmente nos momentos em que seu time mais precisa -, mas tem uma clara preferência por aqueles mais difíceis de serem convertidos. Sua capacidade de liderança inspira os seus companheiros, levando-os a superarem os próprios limites. Ele é um dos raros casos em que a braçadeira sozinha escolhe quem será o capitão, tamanha sua capacidade de agregar, orientar, servir de exemplo dentro das quatro linhas. Para completar, é dotado de uma mentalidade vencedora que colocou o clube no caminho das vitórias desde que pisou pela primeira vez nas Laranjeiras, sua nova casa. Fred já é uma realidade no panteão dos grandes ídolos que vestiram o traje de gala tricolor.
Nada disso seria possível se o elenco não estivesse sob a batuta de Abel Braga. É um técnico que acerta e erra escalações ou substituições como qualquer outro, e que põe o Diguinho em campo para infartar a torcida nos últimos minutos das partidas? Sim, é. O seu diferencial vai além do papo de boleiro e da estratégia dos enxadristas; reside na capacidade de chamar os brios de cada um de seus jogadores, de lembrá-los a cada rodada da responsabilidade que assumiram para alcançarem os objetivos, … Abel estuda, conhece e encara todos os seus adversários com a mesma seriedade, sejam eles grandes ou pequenos. Abel sabe enxertar os talentos crescidos em Xerém para suprir as necessidades do elenco, tirando-lhes o peso da obrigação de resolver e deixando-os livres para mostrar o talento. Por isso tudo, Abel é o homem para ser o Alex Ferguson tricolor, pela identificação com as cores do clube
Mas tem um detalhe: o campeonato ainda não acabou. O Fluminense agora vai atrás dos recordes.