Muito tem se falado que o futebol vem seguindo as regras de mercado, que clubes como Flamengo e Corinthians devem receber mais verba da TV do que os demais porque possuem mais consumidores, que o futebol é extremamente profissional, etc, etc, etc…
Bona entende mas não concorda dogmaticamente que a Lei da Selva seja a única e/ou ideal forma quem um Mercado se mova.
Por André Bona
As empresas
As S/A (sociedades anônimas) possuem uma legislação específica. Diversas obrigações na apuração de seus resultados, publicação de demonstrações contábeis e etc. As S/A podem ser de capital fechado ou de capital aberto. As S/A de capital aberto são as que possuem suas ações negociadas em bolsa de valores. Além de todas as regras que a lei das S/A lhes impõe, se sujeita adicionalmente, às regras da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e da Bovespa. A PUBLICAÇÃO TRIMESTRAL DE BALANÇOS é uma delas. Qualquer investidor pode ter ações de uma empresa e por isso possui o direito integral de ter as informações necessárias para embasar sua decisão de continuar sendo sócio ou não de uma delas. No mercado, raramente uma empresa negociada em bolsa surpreende com um rombo. Se isso ocorre, traz prejuízos para diversos investidores e os responsáveis respondem por isso, podendo inclusive ir para a cadeia. Por isso as empresas S/A são obrigadas também a contratar empresas de auditoria independente, que verificarão as demonstrações contáveis e emitirão parecer sobre elas. Outra obrigação importante, diz respeito a divulgação dos chamados FATOS RELEVANTES. Fatos relevantes são todas as informações que as empresas possuem e que, se divulgados, poderiam afetar a decisão de investimento dos investidores. Eles são publicados aos montes diariamente. Portanto, se uma empresa de petróleo descobre algo em alguma bacia, DEVE DIVULGAR. Se uma empresa de petróleo verifica que naquele campo não há petróleo algum, DEVE DIVULGAR. Se uma empresa está em entendimento com outra sobre uma possível fusão, venda ou operação conjunta, DEVE DIVULGAR. Se um fato relevante não é divulgado e o mercado não recebe essa informação, a empresa poderá ser punida e perder o registro e a possibilidade de ter suas ações negociadas em bolsa.
Além dessas obrigações todas, as empresas são classificadas segundo a sua GOVERNANÇA CORPORATIVA. São 4 níveis básicos de governança: tradicional, nível 1, nível 2 e novo mercado. O tradicional é aquele que a empresa se submete as regras da CVM, Bovespa e lei das S/A. A empresa é classificada como nível 1 se ela VOLUNTARIAMENTE se obriga a cumprir um conjunto de REGRAS ADICIONAIS de transparência. É classificada no nível 2, se cumprir um conjunto de regrais ainda maiores de transparência. É classificada como empresa do Novo Mercado se ela VOLUNTARIAMENTE se obrigar a cumprir o maior número de regras de transparência exigidas pela Bovespa. Exemplos de empresa no Novo Mercado: OGX, Banco do Brasil, Lojas Renner. Exemplo de empresas no nível tradicional: Petrobras.
O objetivo e a confiabilidade da livre circulação das informações da forma mais transparente possível É CONDIÇÃO BÁSICA para a existência de um mercado de verdade.
E a informação privilegiada existe? Claro que sim! Mas, não se pode fazer uso dela. Se fizer, o infrator irá para a cadeia.
Conflitos de interesses
O conflito de interesse é rechaçado no mercado. Um corretor de valores (operador de bolsa) é remunerado pela corretagem e não pelo resultado dos investimentos dos investidores, pois as decisões recaem sob a responsabilidade exclusiva dos investidores. UM CORRETOR NÃO PODE TOMAR DECISÕES DE INVESTIMENTOS PARA CLIENTES. É PROIBIDO E TAL PRÁTICA É PUNIDA INAPELAVELMENTE COM EXCLUSÃO DO MERCADO. UM CORRETOR, POR ISSO, NÃO PODE COBRAR NADA DO CLIENTE, COMO SE FOSSE UM CONSULTOR. NÃO PODE. Um corretor recebe por ordem executada. Se ele tomasse decisões para o investidor, haveria um conflito de interesses: ele poderia fazer MAIS OPERAÇOES do que o necessário apenas para gerar receita para si próprio, em detrimento do investidor.
Um gestor de recursos é aquele profissional que RECEBE DO CLIENTE PARA ADMINISTRAR seus investimentos. NESSE CASO ELE NÃO PODE RECEBER CORRETAGEM. NÃO PODE RECEBER POR OPERAÇÃO EXECUTADA. Pois cairia no mesmo conflito de interesse. Então, o gestor não recebe NADA da corretora onde opera para seus clientes. NEM PODE. Ele por sua vez, recebe DO CLIENTE, normalmente uma TAXA DE ADMINISTRAÇÃO. Este sim, pode atribuir ganhos adicionais por performance na relação com seu cliente.
Um consultor de investimentos recebe DO CLIENTE para dar orientação. NÃO PODE RECEBER DA CORRETORA OU DO BANCO. Um Agente Autonomo de Investimentos NÃO PODE RECEBER DO CLIENTE NADA. Vai receber da corretora ou do banco/gestora pelo produto que vendeu. Um gestor não pode receber da corretora. Recebe uma taxa de administração.
Quando há uma oferta pública de ações, os corretores devem respeitar um período de silêncio e não falar nada sobre a empresa em questão. São obrigados a orientar os investidores a ler o prospecto da oferta. O período de silêncio permanece também algum tempo depois da oferta ser concretizada.
Eu trabalho num banco. Quando entramos no período de divulgação de resultado, SOMOS PROIBIDOS DE COMPRAR OU VENDER AÇÕES DO BANCO PARA NÓS MESMOS OU PARA NOSSOS PARENTES. Justamente porque PODEMOS TER INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA, e não devemos utilizá-la.
Minha irmã trabalha na administração de recursos de terceiros de outro banco. ELA NÃO PODE INVESTIR NOS FUNDOS DE INVESTIMENTOS COM OS QUAIS TRABALHA. Por causa, também, da informação privilegiada.
Inclusive, os parentes de quem trabalha em instituições financeiras são consideradas PESSOAS VINCULADAS e também estão sujeitas a investigação.
Os fundos de investimentos devem também contratar empresas de auditoria independente e essas devem ser modificadas a cada 5 anos.
Existe no mercado uma coisa chamada segregação, denominada Chinese Wall. Quando há atividades conflitantes dentro de uma instituição financeiras, elas devem ser SEGREGADAS.
Outros aspectos durante negociações no pregão
Quando uma ação sofre uma alteração brusca no preço, a negociação daquela ação é congelada. A Bovespa pede explicações a empresa, uma vez que tal justificativa só pode ser de alguma informação privilegiada. E a negociação fica congelada. Dá-se um tempo para que todos saibam o que está ocorrendo, as ordens ficam paradas e inicia-se um período de leilão, onde o preço será definido por uma média ponderada dos preços e das quantidades de compradores e vendedores. Assim eliminam-se as distorções. Os leilões também ocorrem no início do pregão e no final do pregão para que o último preço não seja manipulado e apresente uma performance do ativo diferente do que ele realmente oscilou durante a negociação.
Quando a bolsa cai 10% num dia, o pregão também é interrompido, como todos devem se lembrar da crise de 2008.
Os investidores
Algumas práticas dos investidores também são monitoradas e isso pode fazer com que não se aceitem suas participações em algumas operações. E se algo suspeito ocorrer, a CVM pode, inclusive, cancelar o negócio já fechado. Estão igualmente sujeitos a regulamentação.
Em linhas MUITO RESUMIDAS, esse é o mercado. Com esse nível de transparência, de regulamentação e de prevenção de práticas lesivas ao pequeno investidor, regulando investidores, corretoras, bancos, empresas e etc.
E o futebol?
O objetivo de uma competição esportiva é a prática do esporte. Lógico que para isso é necessário que haja recursos para bancar os salários da turma que envolve o grupo de atletas. Porém, não se tem por objetivo, atualmente, a condição equânime da competição. Justamente nesse momento, a TV compra os direitos de transmissão PAGANDO DIRETAMENTE AOS CLUBES e em valores COMPLETAMENTE DIFERENTES. A justificativa? É o mercado!
Como mercado? Se a TV paga diferente, ela permite que os clubes se estruturem de forma diferente. E se ela paga mais pra um do que pra outro, ela entende que terá mais retorno com um do que com outro. Sendo assim, ela interfere na elaboração de tabelas e decide quem vai jogar domingo as 16 horas, domingo as 18 horas, sábado, quarta e quinta-feira. Decide também quem vai aparecer mais e quem vai aparecer menos. Isso influencia DIRETAMENTE na capacidade que os clubes possuem para captar mais patrocínios e, consequentemente, arrecadar mais dinheiro, além de formar mais torcida (que chamam de mercado).
Nesse cenário, há um conflito flagrante de interesse: a tv obviamente vai exibir MAIS aquele por quem ela pagou MAIS. Uma emissora de TV, nesse caso, está tendo influencia DIRETA nas possibilidades de sucesso do esporte. E está agindo conforme seus interesses. No mercado, de verdade, não o que somente serve de desculpa, vimos que o conflito de interesses deve ser eliminado. Já no futebol, o conflito de interesse é justificado como algo do “mercado”. O fato é que a emissora compra uma competição e não um clube. E dessa forma, para evitar esse conflito, não deveria interferir de forma alguma na tabela do campeonato. Chega ao cúmulo de, inclusive, ajudar na contratação de jogadores de um ou outro clube e participar ativamente dos projetos de marketing envolvidos.
A segregação de transmissão e de formação da tabela e dos jogos a serem exibidos É MAIS DO QUE NECESSÁRIA. É OBRIGATÓRIA. O produto é o campeonato, com uma tabela PREVIAMENTE DEFINIDA e com os jogos a serem exibidos previamente definidos. Isso que deve ser vendido. A negociação direta com os clubes é um acinte. É a formalização do conflito de interesses. Por tanto, atribuir diferença nas cotas de TV ao mercado é a coisa mais absurda que pode existir. Essa diferença não é fruto do mercado, mas sim da selvageria. Nunca ao mercado. Pois o mercado regulado não é assim.
A postura da emissora deveria primar pela ISENÇÃO e isso deveria ser contratual no caso de monopólio, sujeitando o infrator à possibilidade quebra de contrato. Inclusive seria muito interessante que a TV que transmitisse não pudesse sequer ter programas para comentar o campeonato. Essa atividade seria disponível para as outras emissoras, que não transmitem o campeonato. Se você transmite, não pode dar opinião. Ao contrário. Não se exige NENHUM compromisso da emissora com a seriedade. E a organização só é buscada se for conveniente. Qual seria a dificuldade de formação de uma tabela pré-definida? Não seria muito mais organizado do que ficar esperando resultados para ver quem vai ser transmitido e etc?
Os clubes não são empresas S/A. São entidades sem fins lucrativos. Como vamos falar de MERCADO nesse caso? A TV quer mercado. Mas o futebol, NÃO QUER MERCADO. QUER FUTEBOL. Ou então, é empresa. Se estamos falando de MERCADO, então que se criem os mecanismos de mercado.
Enfim, a reflexão está proposta.