O fator Barrichello
April 14th, 2010 | 16 Comments | Filed in Fórmula-1
Provocado por alguns, questionado por outros, decidi por escrever uma resposta à dúvida que paira sobre a cabeça de Sam Michael, o atônito diretor técnico da Williams que não cansa de elogiar o brasileiro: por que Rubens Barrichello nunca foi campeão do mundo?
Sua carreira começou muito bem em 93, quando pilotando pela Jordan, ele enviou para a aposentadoria pilotos experientes como Ivan Capelli e Thierry Boutsen. Apesar dos resultados esparsos pela fragilidade do motor Hart, seu talento já era visível, ainda mais sendo o protegido de Ayrton Senna. Em 94 sua Jordanzinha era bem melhor, e ele chegou ao GP de San Marino como vice-líder do campeonato, após duas provas, com um terceiro lugar no GP do Pacífico. Mas aí…
A morte de Senna causou ao piloto um trauma muito maior do que o seu próprio acidente (pavoroso, por sinal) nos treinos livres em Imola. Todos os holofotes do país – que por sinal vencera seis títulos na categoria de 1981 a 1991, e nenhum no futebol desde 1970 – estavam voltados para aquele moleque de 22 anos. Não se fazendo de rogado, ele foi o mais jovem pole-position até a época ao largar na frente em SPA-Francorchamps, e finalizou a temporada em sexto lugar. A promessa parecia que iria vingar.
Porém, os dois anos seguintes mostraram que a Jordan ainda era pequena, enquanto Barrichello não soube fazer, como os grandes gênios sempre o fazem, com que sua equipe passasse a outro nível. Pior: à velocidade inata e notável habilidade para desenvolver o carro, se opunha uma desastrosa atuação diante dos microfones. A falta de simpatia que muitos têm no Brasil em relação a ele é pelo fato de que ele fala (mal) demais na imprensa oficial da F1 no país, e sofre até hoje por ter aceitado o encargo absurdo de ser o substituto natural de Ayrton Senna, situação obviamente criada por fatores mercadológicos dessa mesma imprensa, ávida em produzir um novo garoto-propaganda para a F1 pós Imola 94. Tornou-se, consequentemente, alvo do público, da crítica e de humoristas de plantão. Na prática, a partir daí ele perdeu muito tempo “calando os críticos” quando ganharia mais aprimorando sua performance.
Mudar de ares era inevitável. E o destino foi a estreante Stewart. Seus anos na equipe do tricampeão Jackie decepcionaram mais uma vez aos brasileiros pelos resultados modestos. Um brilhante segundo lugar sob muita chuva no GP de Mônaco de 1997 só fez aumentarem as comparações descabidas com Senna. Para complicar, o piloto que sempre foi o centro das atenções do time escocês viu seu companheiro de equipe Johnny Herbert conquistar em 1999 a primeira vitória da Stewart, numa das maiores zebras da história, enquanto ele foi terceiro. Assim agregou a fama de azarado. Foi-se a segunda chance de liderar uma equipe e torná-la vencedora, e veja que dessa vez sua equipe contava com todo o aporte da Ford. Apesar de tudo, suas atuações valeram um passaporte para a Ferrari.
Na equipe italiana veio a maior chance e o pior desafio: Michael Schumacher. Nos anos Ferrari, ele estava no lugar certo, porém, no momento errado. Teve sim suas vitórias, poles, atuações memoráveis, porém Schumacher era incontestavelmente melhor do que Barrichello, e é claro que venceria muito mais. 2002 poderia ser o ano dele, já que o carro se adaptava mais à sua condução até do que à do alemão. Os problemas que o brasileiro teve não pontuando nas primeiras provas o alijaram da disputa. E o pior ainda estava por vir…
Áustria 2002. Barrichello confirma sua boa forma com classificação e corrida perfeitas, mas não levou. Esse sapo ficou com as perninhas de fora da boca do brasileiro até a saída da Ferrari. Nos anos seguintes, Schumacher foi dominante e não teve vez para o brasileiro. Pontos perdidos, problemas mecânicos, frases que saíam pela culatra. Para os corneteiros, Barrichello era capacho. Para a Globo, vítima das armações a la Áustria. Para mim, a menos que ele realmente escreva um livro bombástico contando segredos de alcova de Maranello, terei que o alemão vencia porque simplesmente era melhor. Ou porque Rubens não teria sido hábil para focar o trabalho no seu carro com seus engenheiros, para fazer a maré virar a seu favor dentro de uma equipe que claramente subiu muito de produção enquanto ele era engrenagem. Importante, por sinal.
A ida para a Honda, com ares de redenção, praticamente acabou com sua carreira. Com tantos problemas, tinha reputação intacta e motivação questionável, apesar do discurso sempre positivo e do recorde de participações em GPs. Dado como acabado, Barrichello voltou à vida na Brawn, com novas vitórias, poles e atuações memoráveis. Mais uma vez pôde lutar pelo campeonato, mas pareceu demorar a acreditar naquilo que estava vivenciando e na chance que aparecia. Demorou a resolver problemas mecânicos (calotas aerodinâmicas, freios, sistema de largada…) e quando acordou para o campeonato, Jenson Button já tinha uma vantagem que foi impossível de reverter.
Pelo conjunto da obra é que ele chega à sua décima oitava temporada, beirando os 300 GPs e pilotando por uma das maiores equipes da história da F1. Vamos lembrar que a Williams pode estar em baixa, mas seus caciques sabem muito bem o caminho das vitórias, além do fato de que eles sobreviveram sem tantos percalços como time independente. Penso que o Rubens tem um valor como piloto que é inquestionável. Por isso ele foi contratado pela Ferrari e só saiu de lá porque quis, por isso Ross Brawn dispensou o primeiro sobrinho (Bruno Senna) para tê-lo no time que levava seu nome. Por isso está aí até hoje.
Ele é certamente um dos melhores pilotos daqueles que nunca ganharam um título. Está rico, realizado e fazendo o que gosta.
E voltamos à pergunta: por que ele nunca foi campeão? Afinal, ele sempre foi muito bom, boas informações sobre o comportamento do carro, pouquíssimos erros cometidos, mas nunca conseguiu ser O MELHOR em uma temporada inteira. Algumas das razões são técnicas e outras psicológicas.
Pois é, Sam. Porque na hora de tirar o dez, faltou o algo mais. Aquilo que não dá para definir, mas que separa o campeão dos outros. O que Lewis Hamilton aprendeu em dois anos, e o Jenson Button em dez. Até hoje.
E o que o impede de chegar a esse ponto? Talvez lhe falte a noção de que na pista, o piloto está sozinho. Ele é quem está na direção do carro e de seu próprio destino. E que ele não tem nada a provar para ninguém. Só para ele mesmo.