A confirmação da FIFA do Brasil para a organização da Copa do Mundo de 2014 não foi surpresa para ninguém. E o fato é sim para ser comemorado pelo povo brasileiro, que depois do Maracanazo, vai poder torcer pelo esquadrão canarinho aqui mesmo no país. Mas não há como não reparar nas diferenças das condições na escolha do Brasil como sede, hoje e no passado.
Em 50, o Brasil foi uma solução para que a competição se realizasse fora do caos da Europa pós-Hitler. Num tempo em que as viagens intercontinentais ainda eram meio complicadas, doze países enviaram suas seleções ao Brasil. O país se mobilizou em torno do futebol e além de realizar uma Copa razoavelmente organizada, ganhou de presente uma jóia única, que foi o Maracanã. O palco que até hoje, aos trancos e barrancos, continua como o principal do futebol brasileiro e dos maiores do mundo.
Hoje em dia, a escolha é puramente política. E entre os delegados da FIFA e o Comitê de Organização passa a existir uma relação que se compara à de um empresário que compra uma franquia do McDonalds: você banca, eu mando; você faz, eu decido se está bom. Se por acaso e em algum momento essas condições saem do equilíbrio, a entidade simplesmente pula fora e vai se ajeitar a toque de caixa com outro alguém mais rico e mais competente. Sem pestanejar. E em nome do orgulho nacional é que a conta pode parar no meu bolso, e no seu.
A começar pela comitiva tupiniquim em Zurique, contando com governadores, ministros, presidentes (do Brasil e da CBF), o técnico Dunga, Romário e… Paulo Coelho!!!! Pois esta foi a escalação do time que foi buscar a Copa para o Brasil. Diferente das candidaturas dos últimos tempos, quando a França e Alemanha puseram respectivamente Michel Platini e ninguém menos que o Kaiser Franz Beckenbauer nas cabeças de suas organizações (EUA e Japão-Coréia não teriam ninguém para colocar mesmo, né???). Houve mesmo uma profusão de políticos e pessoas muito mais preocupadas com self-promotion, do que como farão para realizar o evento e de onde tirarão dinheiro para tal. Pelé, o ícone maior e sinônimo do esporte, não estava lá. Nem o Zico, o Rivellino, o Taffarel. Faltou uma grande figura, um ídolo popular com carisma e honestidade, para tomar as rédeas na empreitada com a confiança de todos. Uma imagem de tranparência e da prioridade ao esporte. Mas o Ricardão Teixeira e o Paulo Coelho estavam lá. E o Romário, né? Beleza. Caráter ilibado, esse. Mas o despreparo da trupe não parou na escalação, que para mim, só salvava o Dunga. O Lula ainda cometeu a deselegância diplomática de catucar os argentinos, sem a menor necessidade, nem graça. E o Paulo Coelho, bem, ainda não entendi o que estava fazendo lá, muito menos porque ele disse o que disse. Se alguém souber, desenha pra mim. Senhor Paulo Coelho, o senhor é um fanfarrão. Não tinham ninguém melhor para levar, então, paciência.
Teoricamente, nos lugares sérios a conta é dividida da seguinte forma: a iniciativa privada, clubes e empresários se encarregam das instalações, prédios, estádios, hospedagem, serviços. Tudo que eles podem continuar explorando depois do fim da competição. Ao governo, cabe realizar as melhorias de infra-estrutura, ou seja, energia, trânsito, transportes, segurança, urbanização. Tudo que a população continuará desfrutando após o evento. Mas o Panamericano do Rio já nos mostrou que por aqui as coisas não funcionam desta forma. A tal da iniciativa privada não deu conta, e para evitar o vexame em escala continental, o governo em todas as esferas bancaram a conclusão do cronograma atrasado, e através de licitações suspeitas e contas nunca fechadas, o dinheiro do povo foi pelo ralo, enquanto políticos arrotavam a sua própria competência (populismo, eu fiz, sou o bom) e a empolgação do povo ao receber o evento e os turistas (me engana que eu gosto). Na semana seguinte, a violência não vista durante aquelas duas semanas voltou aos noticiários, enquanto os bens adquiridos com dinheiro público, como exemplo a frota de carros de polícia, já estavam pegando poeira no pátio. Sem contar os equipamentos esportivos, que burocraticamente, ficam apodrecendo num depósito enquanto alguém tarda a decidir em entregá-los aos atletas que deles precisam para seu treinamento.
Todas as medidas estruturais para a cidade foram paliativos, uma maquiagem para disfarçar. Lembram das faixas amarelas nas vias, exclusivas para tráfego das comitivas do Pan? Resolveu para o evento, mas depois, o engarrafamento carioca permaneceu igual. Isso porque o Pan aconteceu só no Rio. Para a montagem de uma Copa do Mundo serão dez cidades, ou doze.
Nesse aspecto, a experiência do Panamericano já foi ruim. E para a Copa começar mal, Joseph Blatter já declarou que a FIFA não tolera qualquer intromissão (leia-se fiscalização) nas contas envolvidas no evento. Uma CPI poderia até, em caso extremo, significar a cassação da filiação do Brasil junto à entidade máxima do futebol.
Mas como fazer da Copa minha, sua, de todos, se os personagens centrais da organização fecham os olhos para os problemas que vivemos no nosso dia-a-dia? Têm essas pessoas o direito de usar o dinheiro que deveria estar sendo empregado em coisas básicas como saneamento, saúde e educação, para satisfazer às suas vaidades? Não adianta o Ricardo Teixeira ignorar os repórteres que o questionaram sobre o problema da violência, dizendo que “nos Estados Unidos, as crianças levam armas para a escola e atiram umas nas outras”. Isso é problema deles. Mas nós temos os nossos. E, pelo mundo afora, esse é o objetivo de uma cidade ou país que quer receber uma Copa ou Olimpíada: resolver problemas sociais e estruturais e mostrar ao mundo que conseguiu cumprir suas metas.
Mas num país em que não se faz nada direito, a preocupação daqueles é que ela seja “a melhor de todos os tempos”. O governo, ou seja, todos nós, não podemos arcar com a megalomania de alguns, pois como o Brasil, mesmo com a “estabilidade” alardeada pelo nosso presidente, ainda está no terceiro mundo e não pode se dar ao luxo de gastar numa Copa como se fosse do primeiro.
Então, nos resta esperar para ver o que vai acontecer. Não tenho dúvidas de que a Copa sai. Só espero que os dirigentes de hoje e seus sucessores tenham (ou criem) a consciência de que podemos sim fazer uma bela Copa do Mundo, só que muita coisa deverá ser feita para melhorar a vida do povo, e não apenas nas cidades-sede. E que se organize tudo para que seja uma festa para esse mesmo povo, não um evento para vips, autoridades e turistas, enquanto uma população que sofre com falta de tudo fica do lado de fora dos estádios. Ainda pagando a conta. Se a Copa será nossa ou deles, só o tempo vai dizer.