Esse post era pra ser escrito daqui a mais de 1 mês, mais precisamente dia 13 de dezembro de 2007 quando se completa exatos 20 anos do campeonato mais discutido, falado e comentado da história do futebol brasileiro. Mas influenciado por alguns textos que li agora há pouco, olhei pro teclado e pensei: “senta o dedo nessa porra”.
O Campeonato Brasileiro de 1987 começou antes de 1987. Vale a pena uma rápida relembrada do cenário no qual o futebol brasileiro se encontrava na época.
Desde que o mundo é mundo, são várias as causas das guerras. Porém, há 1 motivo em comum à todas as guerras, o interesse econômico. Historiadores de diversas e distintas correntes concordam que atrás de toda guerra há, no final das contas (e no início), o dinheiro, os recursos, o famoso “faz me rir”. A guerra política da CBF com os principais times do Brasil não era (é) diferente. Os patrocínios, publicidade, direitos (de imagem, principalmente), transmissão dos jogos, cotas, e diversos “esquemas”, faziam parte da disputa. A CBF vivia grave crise financeira e um grande descrédito. O prejuízo amargado pela entidade ameaçava até mesmo a realização do certame de 1987.
A verdade é que o Campeonato Brasileiro era inchado e mal administrado. O campeonato de 1979 chegou ao cúmulo de ter 94 times participantes. Na década de 80 a média girou em torno de 45 times por competição até 1986.
Em 1987 foi criado o Clube dos 13, que reunia os tais principais times do país. Para o Campeonato Brasileiro daquele ano, a liga independente criou a Copa União. Liderado pelo Sr. Carlos Miguel Aidar – então presidente do São Paulo – o Clube dos 13 fechou patrocínios com a TV Globo, Coca-Cola e Varig. A fórmula não seria mais a de 50 times divididos em grupos sorteados ao acaso aonde um time grande jogava contra um Arimatéia. A CBF teve que concordar. Ela era boazinha? Evidente que não. A CBF, na figura de seus dirigentes, concordou pois se viu sem saída. Ia contra os 4 grandes do Rio, 4 de São Paulo, os 2 de Minas, os 2 do Rio Grande do Sul e o Bahia. Goiás, Santa Cruz e Coritiba participaram como convidados, prática comum até hoje em outros campeonatos. Alguns esperneiam pela Copa União não ter inserido times com boa colocação no campeonato brasileiro de 1986, casos do Guarani e América-RJ. Não encontrei documentos disponíveis que oficializem os critérios para a escolha do Clube dos 13 e seus convidados. Se alguém tiver acesso, por favor.
Mas querer validar campeonatos de um ano por campeonatos do ano anterior é complicado quando não havia sistema de acesso e descenso por esses. O Vila Nova de Minas quando ganhou a 2ª divisão de 1971, não jogou a 1ª divisão em 1972 (foi sumariamente excluído pela CBF?). Já o Remo, vice da 2ª divisão em 71, disputou a 1ª em 72. O Fluminense virou a mesa apoiado pela CBF em 1997. Não satisfeito, 2 anos mais tarde, pulou da 3ª para a 1ª divisão. Em outra ocasião, a CBF revolveu dar um jeitinho quando da 1ª caída do Grêmio e promoveu os 8 primeiros colocados da segundona para o retorno do tricolor gaúcho à 1ª divisão. Em 1999 prejudicaram o Gama, pois o Botafogo seria rebaixado, mas tudo foi “resolvido” em 2000 com a Copa João Havelange, que atendeu ao interesse geral.
Em 1987, a CBF ficava em maus lençóis. Quem colocaria sua grana num campeonato sem organização, sem times representativos, sem relevância? Como viabilizar? Quem investiria para o campeonato existir
“Cansados das fórmulas mirabolantes e dos desmandos da CBF, os grandes clubes se uniram em 1987, para criar o Clube dos 13. Apoiados por patrocinadores e pela opinião pública, organizaram um brasileirão de verdade. Nascia a Copa União, um sucesso de marketing.”
Revista Placar, edição especial de julho de 1999
Com grandes rendas, emocionantes partidas, todos jogando contra todos, a Copa União foi sucesso de crítica e público. A média de presentes nos estádios, a renda e o interesse pelo campeonato aumentaram significativamente. Restou à CBF a organização de um outro campeonato, que a entidade máxima do futebol brasileiro convencionou chamar de “módulo amarelo”, e chamou a Copa União de módulo verde.
“Diante do sucesso iminente do campeonato, se irritaram os Srs. Otávio Pinto Guimarães e Nabi Abi Chedid, que se mantinham anos no poder na CBF. Tudo que Otávio e Nabi não queriam era a autonomia dos grandes clubes que, com sua popularidade, não precisavam da CBF para organizar campeonato – como acontece na Europa, onde, por exemplo, a Premier League inglesa não é a mesma entidade que gere a seleção nacional.”
Blog do Torcedor – site do Globo Esporte
Depois de sua própria aceitação, a CBF impôs (não foi uma proposta, foi uma imposição), um cruzamento entre os campeões e vice campeões dos “módulos”. Um quadrangular entre os finalistas dos módulos para saber quem seria o campeão daquele ano. Obviamente o Clube dos 13 e todos seus integrantes foram contra. Ora bolas, a competição era organizada por quem? Aceitar tal anomalia da CBF era refutar a própria existência do Clube dos 13. Está no O Globo de ontem, 06/11/2007, quando Eurico Miranda soube da exigência da CBF, ligou para Aidar, que marcou uma urgente reunião do Clube dos 13, aonde todos os representantes concordaram que não faria sentido tal cruzamento dos vencedores dos módulos.
No campo, o Flamengo, depois de um início irregular, melhora consideravelmente, passa pelo esquadrão do Atlético-MG, melhor time do campeonato até então, numa semi-final histórica e sagra-se campeão brasileiro de 1987, disputando a final contra o bom time do Internacional diante de quase 100 mil pessoas no Maracanã, independente das disputas políticas de dirigentes com a CBF. Flamengo e Internacional seguem a orientação do Clube dos 13 e não se curvam às exigências da entidade. Que credibilidade teria um Clube no qual seus associados não cumprem o que foi determinado previamente? Quando pessoas como Emerson Leão, diz que “o Flamengo fugiu do Sport”, além de estar delirando, ele não conhece a História.
No módulo amarelo, organizado pela CBF, pra variar a decisão foi um tanto espantosa. Nos 2 jogos entre Sport e Guarani, 1 vitória para cada lado. Os dois clubes partiram para a decisão por pênaltis. Acabou em 11 a 11, sem ter um vencedor. “Ninguém no resto do país tomava conhecimento dessa estranha e bizarra decisão. Ninguém no país inteiro viu os presidentes do Sport, Homero Lacerda, e do Guarani, Leonel Martins de Oliveira, entrarem em campo e acordarem em dividir o título”.
O ano terminou com o Flamengo campeão e uma dúvida. O campeão e vice de 1987 disputariam a Libertadores do ano seguinte. Em 21 de janeiro de 1988, o presidente do Conselho Nacional de Desportos, Manoel Tubino, veio a público afirmar que o Flamengo era o campeão brasileiro de 1987. A afirmação de Tubino contrariou a dupla que comandava a CBF, formada por Otávio Pinto Guimarães e Nabi Abi Chedid. A CBF se apressou e no dia 31 de janeiro de 1988, marcou o jogo em Campinas, que acabou 1 a 1. O segundo, em 7 de fevereiro de 1988, em Recife, 1 a 0 para o Sport. E a entidade o proclamou campeão. A CBF indica Sport e Guarani para representar o Brasil na Libertadores de 1988. Vários processos vão e vêem nos tribunais, e depois de 10 anos, em 1997, finalmente o Sport ganha o título no tapetão com o aval e apoio da CBF.
A polêmica não pára por aí. Muito se fala em quando a CBF impôs seu quadrangular, se antes ou depois do campeonato iniciado. Uns dizem antes, outros dizem na 5 rodada. Particularmente, acho a questão temporal importante até certo ponto, mas o mais relevante mesmo é que desde que o quadrangular foi inventado, o Clube dos 13 não o aceitou.
“É verdadeiramente inacreditável como pessoas de razoável bom senso e pretensamente honestas podem apoiar uma barbaridade destas (…) um cruzamento decidido na quinta rodada com o campeonato em andamento, um regulamento assinado por todos, e mesmo assim se diz que a CBF é quem decide tudo (…) o Vasco de Tita e Dinamite campeão estadual, o próprio São Paulo, o Santos, o Atlético Mineiro, o Fluminense, o Botafogo… Tal afirmação de que o campeão é o Sport desonra todos os outros clubes. Tal mentalidade é propagada graças a uma manobra repugnante de seres lamentáveis que administravam a CBF – esta mesma CBF que hoje diz que “uma CPI do Futebol atrapalharia a Copa no Brasil”. (…) O São Paulo é um grande pentacampeão, é um clube de estrutura internacional, e não precisa de papagaiadas para ser grande, de consagrar idiotices que contestam o seu próprio passado de vanguarda, de formação do Clube dos 13. NÃO ao descaramento, ao cinismo e à hipocrisia” .
Blog do Torcedor – site do Globo Esporte
Aliás, por que o Internacional também decidiu não jogar o quadrangular da CBF? Dado que perdera o campeonato, o que teria mais a perder? Será que o Colorado sofreu de um repentino surto de bom senso? *** Pelo menos parece que a diretoria do Inter é íntegra.
A polêmica da taça das bolinhas do pentacampeonato é um lamentável episódio envolvendo uma inútil taça que durante 15 anos está num cofre escuro da Caixa Econômica Federal. Em mais uma de suas infinitas incoerências a CBF diz que a taça vai para o São Paulo. Quando em 1992, o Flamengo conquistou o mesmo campeonato pela quinta vez, todos souberam que o Flamengo era o primeiro clube a conseguir tal feito, inclusive a CBF, que passou a utilizar uma nova taça a partir de 1993.
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Por tudo exposto aqui, vimos que é simplista demais dizer que “o Flamengo se considera campeão”. Na verdade, o nobre amigo cruz-maltino que vive proferindo tal aleivosia deveria perceber que o único time da história do futebol brasileiro que se auto proclamou campeão foi seu querido Vasco, nas bizarras voltas-olímpicas no estadual de 1990 com a Nau de papelão, e na Copa João Havelange de 2000 roubando a taça antes da partida final acabar.
“As pessoas passam, as instituições ficam…”, concordo, mas está incompleto. Não só as instituições, mas as idéias, os ditos, os escritos, os títulos… várias outras coisas também ficam. Há 20 anos que o título é discutido, e continuará por mais 40, 80…
Ficou um pouco grande, mas se fez necessário.