Cara de palhaço, pinta de palhaço, foi esse o meu amargo fim...
Caros,
O que segue é muito mais um desabafo pessoal do que propriamente uma coluna sobre corridas.
O circo (na acepção real da palavra) a que assistimos em Hockenheim e no julgamento do Conselho Mundial apenas confirmou o que já sabíamos: nossa opinião ou nossos valores não significam absolutamente nada no que tange à Fórmula 1.
A categoria é na verdade um clube para poucos. O poder de decisão está em mãos de astutos homens de negócios que pouco ou nada têm a ver com a velocidade. As figurinhas – que por sinal nunca foram nada dentro da pista – têm uma mania feia de querer aparecer mais do que os pilotos, aqueles que no final das contas, são os maiores responsáveis por dar o show. De escândalo em escândalo, a F1 perde o crédito com o público, e fica cada vez mais claro que os pilotos representam para os mandatários nada mais do que os chimpanzés para o dono do circo. O real interesse deles é encher a burra de dinheiro. De preferência, fazendo com que os resultados coincidam com seus próprios caprichos.
Com toda certeza, se nomes que têm a velocidade no sangue e no DNA como Jackie Stewart, Niki Lauda, Gil de Ferran, até mesmo o clã Andretti (muitos lembram apenas na Indy e o fiasco do Michael, mas o patriarca Mario foi campeão de F1 em 1978 pela Lotus), todos com sucesso nas pistas e com experiência em gestão de equipes, tais coisas não acnteceriam. Homens do esporte é que deveriam gerir o esporte. Alguma esperança surgiu quando Max Mosley deixou a cabeça da FIA e surgiu a candidatura de Ari Vatanen, grande campeão de ralis, porém o finlandês foi preterido em benefício de Jean Todt. Conclusão: quem decidiria em última instância sobre o caso Hockenheim é o protagonista do análogo de 2002 além de ter ligações viscerais com Maranello.
O engraçado é que, “eticamente”, o senhor Todt abriu mão de seu voto no julgamento. E ele nem precisaria votar, pois o Conselho foi unânime na opção pela pizza à la Place de la Concorde. O ocorrido em Hockenheim – bizarro flashback de A1-ring 2002 – não mereceu nem sequer grandes explicações além de uma totalmente falsa declaração de Felipe Massa dizendo que ele tomou a iniciativa de abrir mão da vitória em prol da equipe, como se a equipe não vencesse da mesma forma caso ele chegasse em primeiro. Pelo contrário: a equipe italiana, o todo-poderoso Bernie Ecclestone e o próprio Conselho acharam tudo muito normal. Vai ver que foi mesmo. O resto do mundo é que está equivocado, somos pessoas de inteligência limitada e simplesmente não entendemos o jogo deles. Demonstrou a empáfia e a onipotência dos mandantes da F1, seguindo à risca a filosofia da vaca. É dessa forma, como gado, que eles enxergam pessoas como eu e vocês, que dão audiência às corridas e somos inconscientemente induzidos pela publicidade nada subliminar a comprar o que nos é anunciado e a viver como nos é comandado.
Mansell e Piquet
Somos todos idiotas. Nós espectadores, as equipes que, ao longo dos 60 anos da história da categoria, valorizaram – e ainda valorizam – a competição, deixaram seus próprios pilotos decidirem quem era o melhor e que, eventualmente, deixaram escapar o título. Somos tolos, ingênuos, por pensar que as coisas da pista são resolvidas somente dentro da pista. Não faltam exemplos disso, e todas as vezes que essa disputa ocorreu, quem ganhou foi o esporte. Ganhando o esporte, ganhamos todos nós, que podemos desfrutar do prazer e do entretenimento que uma boa corrida nos proporciona.
Senna e Prost
Infelizmente é isso aí mesmo. Nós podemos assistir ao “espetáculo” que esses caras querem oferecer. Eles decidem as regras e quando elas serão quebradas. Além de deixarem a Ferrari escapar ilesa (a multa de 100.000 dólares foi um décimo da conta pela mesma “contravenção” em 2002), já acenam para a revisão da regra de proibição do jogo de equipe. E mesmo que nós nos juntemos em uma grande revolta a partir do nosso sofá, que ninguém mais compre um ingresso para uma corrida de F1, que a imprensa e o papa condenem, nada vai mudar. Ou melhor: eles mudam sim, de mala e cuia e sem qualquer remorso, para a China, para a Índia, para Cingapura, para a Coreia, para o Oriente Médio, onde ainda há muito mercado e dinheiro para engordar a conta bancária dos mandachuvas. Por essas bandas, eles podem construir seus imensos parques de diversão dos quais milionários assistem, cercados de modelos, champanhe e caviar, aos pilotos-macacos darem voltinhas em pistas cada vez mais insossas.
Mas isso não é de hoje, tampouco de 2002. Olhando para o passado da Ferrari, ao ano de 1982, um GP de Imola com uma dúzia de carros no grid (por conta de um boicote das equipes, que não vem ao caso) quando o time ainda era regido pelo Comendador em pessoa. O famoso aviso para reduzir a velocidade (eternizado pelo Galvão como “tragam as crianças para casa”) foi desrespeitado e colocou em rota de colisão iminente os outrora amigos Didier Pironi e Gilles Villeneuve. A ineficiência desse tipo de gestão transformou a rivalidade entre dois grandes pilotos em uma tragédia.
Didier e Gilles
Voltando um pouco a fita, ao ano de 1979, Enzo Ferrari solicitou a Villeneuve concordasse em dar prioridade ao seu companheiro Jody Scheckter, o qual se sagrou campeão ao fim do ano. A decisão era segura, porque não deixava a Ferrari à mercê do espetacular e estabanado canadense e evitava que ele desperdiçasse a boa fase do time, mas por outro lado, desprezava o melhor início de temporada do canadense e o equilíbrio da performance de ambos. Fiel como um cão labrador ao seu chefe e tutor, Villeneuve acordou, recebendo em troca a promessa de que a Ferrari faria também dele um campeão nos próximos anos. Porém, os carros vermelhos tiveram uma queda de qualidade nos anos seguintes. Até 1982.
Retomando ’82, Gilles se sentiu traído, tanto pela equipe quanto pelo amigo Pironi. Na corrida seguinte, um irado Villeneuve desesperado para superar o seu inimigo de equipe, comete um erro fatal na classificação para o GP da Bélgica, atinge a traseira do March de Jochen Mass. A Ferrari capota diversas vezes, se desintegra e ejeta o corpo já praticamente inerte com assento e tudo. Estava encerrada a história de um dos pilotos mais carismáticos de todos os tempos.
E Felipe Massa? Sim, ele deve alguma gratidão à Ferrari por ter bancado sua continuidade na equipe sem qualquer garantia de que ele se recuperaria do acidente de um ano atrás. Mas daí a colocá-lo na ridícula situação de assumir a iniciativa de ceder a posição? Se ele quisesse mesmo fazer isso, não precisaria ouvir o famoso “Fernando is faster than you”, bastava ceder na primeira investida do espanhol. Tem mais: recordando as lições de tia Teteca Smith, nossa teacher de inglês lá dos idos de antigamente, o verbo to be significa SER ou ESTAR. A dúvida é se Alonso ESTAVA mais rápido ou se ele simplesmente É mais rápido que Felipe, na opinião do time. Eu tenho a minha, e cada um que forme a sua.
Alonso e Hamilton (???)
Por isso tudo, pouco me importou no GP da Itália a vitória de Alonso ou o terceiro lugar de Massa. Foi a justificativa perfeita para os Chamou-me sim a atenção o segundo lugar de Jenson Button, vencedor moral da prova, e o quarto lugar de Sebastian Vettel, que surpreendeu a todos fazendo o pitstop na penúltima volta. Os resultados mantêm os dois na disputa do campeonato (mais uma vez liderado por Mark Webber).
É difícil defender uma ou outra equipe dentro desse ninho de cobras, pois as mesmas prejudicadas de hoje serão protagonistas de falcatruas no futuro. Mas atualmente, quem se encontra na mira do meu ódio irracional é a Ferrari. Seria do meu total desgosto ver um de seus pilotos campeão nesse ano – ou melhor, um deles, o Alonso, porque o Massa não ganha MESMO, só corre para cumprir tabela.
Button e Hamilton: errados?
A cada episódio desses, a Fórmula 1 morre mais um pouquinho. O mundial em 2010 já é um dos mais disputados da história da Fórmula 1 e não merecia ser maculado pela falta de senso e de sensibilidade da equipe cujo passado se confunde com a própria categoria. A nós, revoltados e sem qualquer direito a pitaco, cabe levantar no domingo e já começar os preparativos do churrasco mais cedo, sair para passear com o cachorro, curtir a ressaca na cama até mais tarde ou ligar a televisão e ficar torcendo para que nada disso aconteça novamente.
Vettel e Webber: shit happens, mas e daí?